Matéria publicada em 15 de maio de 2025.
O Brasil gera cerca de 140 mil toneladas de lixo por dia, e mais de 50% disso é resíduo orgânico – restos de comida, podas de jardim e materiais biodegradáveis que, em vez de virar adubo, acabam em aterros, emitindo metano e agravando a crise climática. Diante desse cenário, a compostagem comunitária surge não apenas como uma solução, mas como uma urgência ambiental e social.
Nesta entrevista, Edson Prado, um dos criadores do Guia de Compostagem Comunitária da Terra Orgânica, revela como esse manual pode ajudar a transformar realidades em todo o país. O projeto já desviou milhares de toneladas de resíduos de aterros sanitários, mostrando que é possível – e viável – fechar o ciclo dos nutrientes mesmo em grandes cidades.

Das “leiras xodó” – técnicas simplificadas para pequenos espaços – aos projetos em escolas que transformam a compostagem em atividade pedagógica, o guia prova que a compostagem não é um privilégio técnico, mas um direito de todos. Com linguagem clara, QR Codes de vídeos o a o e adaptações para qualquer espaço, o material é uma referência para quem quer sair da teoria e colocar a mão na massa – ou melhor, no composto.
Se você faz parte dos 76% de brasileiros que, segundo pesquisa do IPEA, não separam seus orgânicos por falta de informação, esta conversa é um convite para mudar esse jogo. Porque compostar não é só sobre lixo: é sobre saúde pública, justiça ambiental e o futuro das nossas cidades. E você pode começar agora – mesmo sem um quintal.
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Confira a entrevista de Edson Prado concedida a Paulo Pires, do Núcleo de Comunicação Cigarras:
Paulo Pires: Edson, como surgiu a ideia de reunir todas essas informações no Guia de Compostagem Comunitária da Terra Orgânica?
Edson Prado: Então, isso veio muito da carta-convite da rede, no final de 2024, que trouxe essa questão: O que a gente pode deixar como contrapartida para a rede? Como podemos somar? A gente pensou: Poxa, esse ano inteiro a gente tá somando, mas ainda é algo muito direcionado, uma rede dentro da rede, micro-redes. Como a gente poderia levar essa informação que tá sendo debatida internamente para mais pessoas que querem ar, mas não conseguem participar dos encontros ou acompanhar o que tá rolando? Como deixar um legado estruturado para que todo mundo da rede, independentemente de quando ou como, possa ar quando quiser?

A gente já organizou, em 2024, uma metodologia, uma base pedagógica. Desenhamos uma linha do que é importante saber, como: Quais são os primeiros os? Como definir onde vai ser o pátio? Como começar? Por exemplo: Junte pelo menos mais duas pessoas. Fomos construindo essa linha de conhecimento, e no final, vários participantes falaram: Muito bom como vocês organizaram os conteúdos! Começa com o básico – como montar uma leira – e no fim do ano já tá debatendo formas de rentabilizar a atividade. A gente mesmo percebeu: Poxa, ficou muito boa essa cronologia que a gente criou.
Paulo Pires: Ano ado, vocês chegaram com um material preparado, mas ao conhecer os projetos e iniciativas, viram que cada um tinha necessidades, dificuldades e desafios próprios. Esse guia já é uma versão revisada, considerando essas experiências, ou ainda assim cada compostagem precisa olhar para sua especificidade territorial?
Edson Prado: Isso é importante, Paulo. Nessa revisão, a gente teve que pensar: A gente projetou uma coisa, mas na prática aconteceu diferente. Por exemplo, tem um vídeo que ensina um modelo de leira menor, que deu muito mais certo nas iniciativas – no CEM, no Quintal Mágico… E não só com a tela, mas com uma estrutura mais simples, que não estava no desenho original. Então a gente teve que repensar: Como deixar claro que nosso método não é uma receita de bolo?
No guia, a gente sempre traz alternativas. Como: A gente trabalha com palha, mas dá pra fazer com folha? Dá, mas não vai ser a mesma coisa. A palha tem uma função – permite aeração, evita cheiro de amônia. Com folha, é mais difícil controlar isso, porque ela pode não secar direito e começar a apodrecer. Mas ainda assim, é compostagem! Pode ser um pouco mais lenta, talvez dê mais cheiro, mas funciona.

O importante é deixar claro: Não existe lugar onde não dá pra fazer compostagem. Dá pra fazer em apartamento, em caixa de papelão, em qualquer lugar. O guia tenta mostrar que, se você entende o processo, consegue adaptar.
Paulo Pires: Outro ponto é que muitas iniciativas são em escolas, onde a compostagem não é a atividade principal, mas sim uma ferramenta pedagógica. Como o guia aborda isso?
Edson Prado: A gente começou 2024 com a ideia de criar novos “Laboratórios Terra Orgânica”, com pontos de entrega voluntária e coleta no bairro. Só que muitas escolas não têm como buscar resíduos fora. Então a gente percebeu: Faz mais sentido focar em pequenas centrais de 100 a 200 litros por semana. Uma escola dificilmente gera mais que isso.
E o impacto é enorme! Mesmo que pare durante as férias, já evita que o resíduo vá pro lixão. E quando é feito no local onde o resíduo é gerado, é ainda melhor – não precisa de transporte. O Instituto Arandu, por exemplo, além de compostar no território, coleta resíduos na feira. Eles conectam a venda de hortaliças com a gestão de resíduos. É um impacto diferente, mas tão importante quanto.
No guia, a gente incluiu uma página sobre a plataforma Terra Orgânica (pra registrar o volume de resíduos) e outra sobre a Rede Muda, que é uma ferramenta incrível pra engajar a comunidade.
Paulo Pires: Por último, o guia tem bastante conteúdo, mas vocês também linkam com vídeos no YouTube, que mostram na prática como fazer. Como funciona essa conexão?
Edson Prado: O guia serve pra quem acha que compostagem comunitária é um bicho de sete cabeças. Ele tranquiliza e mostra que não é tão difícil. Já os vídeos complementam o que fica mais raso no guia. Por exemplo: Como montar uma leira? No texto, a gente explica, mas se a pessoa nunca viu uma, fica abstrato. Aí tem um QR Code que leva pro vídeo, mostrando desde a leira grande (com aeração iva) até a menor, que tá sendo o xodó da galera.

Eu, por exemplo, aprendo muito melhor vendo. Tem gente que prefere ler, mas o visual ajuda demais. A ideia é: Se ficou alguma dúvida, o vídeo tá lá. E os contatos também estão no guia – se alguém quiser participar mais ativamente, registrar na plataforma ou tirar dúvidas, pode chamar.
Paulo Pires: E esse material pode reverberar até fora da rede, não é? Porque não tem muitos guias assim por aí.
Edson Prado: Exato! A gente não inventou tudo do zero – tem referências técnicas –, mas muitos materiais são muito acadêmicos ou muito superficiais. O guia tenta equilibrar: traz o embasamento técnico, mas também a vivência do dia a dia, aqueles detalhes que só quem opera percebe. A gente espera que ele ajude não só a rede, mas qualquer pessoa que queira começar. Porque no fim, o importante é mostrar: Compostagem comunitária é possível em qualquer lugar.